quarta-feira, 23 de março de 2011

Surdez, Cultura e Comunicação



a.     Diagnóstico
A deficiência auditiva é caracterizada como um problema sensorial não visível, que acarreta dificuldades na detecção e percepção dos sons e que, devido à natureza complexa do ser humano, traz sérias conseqüências ao indivíduo. A presença de qualquer alteração auditiva na primeira infância compromete o desenvolvimento da criança como um todo, nos aspectos cognitivos, sociais e culturais; além de comprometer os aspectos linguísticos, pois existe um período crítico para a aquisição de uma língua (Sclair-Cabral, 1988) [1].
Estudos comprovam que o período que se estende entre o nascimento e os seis primeiros meses de vida da criança é o mais afetivo para a estimulação do cérebro e para a formação das vias auditivas. Assim, a detecção precoce da deficiência auditiva torna-se imprescindível, uma vez que com essa precocidade pode-se começar o mais rápido possível os procedimentos terapêuticos, aumentando assim a probabilidade de se aproveitar ao máximo o potencial de linguagem expressiva e receptiva, de alfabetização, do desempenho acadêmico e do desenvolvimento social e emocional das crianças com deficiência auditiva.
O único procedimento capaz de identificar precocemente as alterações auditivas, a fim de que, nos casos positivos, sejam realizados os encaminhamentos necessários ou para intervenção médica ou para programas de habilitação é a Triagem Auditiva Neonatal de rotina, indispensável para a saúde da mamãe e do bebê.
Logo após o diagnóstico da surdez, os pais são encaminhados para o programa de habilitação. A família precisa de orientações sobre seu papel no desenvolvimento da linguagem e das habilidades auditivas da criança, bem como sobre a função dos profissionais da habilitação e da educação de surdos. Isso é fundamental, pois os pais são as primeiras pessoas a estabelecerem uma linguagem com a criança. No caso da criança surda, é necessário que os pais sejam conscientes da sua importância na educação de seu filho.[2]
Em geral, os pais recusam-se a acreditar no diagnóstico, especialmente porque, no caso da surdez, não há uma evidência visível (Luterman, 1979). Quando lhes é apresentada a necessidade de habilitação a longo prazo, alguns pais podem se tornar muito hostis para com os profissionais que diagnosticaram a surdez, já que também não vão poder efetuar a cura. Outros pais se mostram muito práticos e complacentes, assumindo prontamente todas as etapas de habilitação recomendadas. As reações dos pais variam de acordo com a sua experiência de vida, educação, fatores socioeconômicos, culturais e religiosos e, naturalmente, suas personalidades.[3]
Quando os pais descobrem a deficiência em seus filhos, precisam de um programa de habilitação completo.
Um programa de habilitação completo é aquele que responde às necessidades das crianças e de suas famílias. Os pais necessitam de informações sobre surdez, além de discussões extensivas sobre como se processa o desenvolvimento da linguagem. O esclarecimento dos papéis dos pais e dos profissionais é essencial. É evidente que os pais são as melhores pessoas para ajudar diretamente a criança, por ser o desenvolvimento de linguagem um processo que surge da relação entre eles, que ocorre em situações contextualizadas, no dia-a-dia. Os fonoaudiólogos têm uma atuação restrita nas sessões clínicas semanais. Portanto, os pais precisam ser encorajados a aceitar seu papel principal na habilitação da criança.[4]
A criança surda precisa e deve ter a oportunidade de interação com crianças que usam a fala como meio de comunicação. A exposição à língua oral deve ocorrer de forma freqüente, envolvendo sempre situações contextualizadas, que acompanhem o desenvolvimento cognitivo. Deve ser estimulada a produção de fonemas, palavras e frases e a compreensão da fala pela leitura orofacial.
Os pais não podem apenas se prender ao tempo que a criança passa no fonoaudiólogo, pois, este período apenas não é suficiente para que a criança se desenvolva, sendo de grande importância o tempo que ela passa em casa junto à família, em contato com os seus familiares para que este contato venha a fazer diferença em seu desenvolvimento na linguagem. Por isso, a presença e participação dos pais são de grande importância para o desenvolvimento da criança.
No CEPRE, o trabalho com crianças surdas envolve, primeiro o aprendizado da LIBRAS como base para a aquisição da língua oral.

Ø  Adaptação das próteses auditivas
Trata-se de um processo bastante complexo que vai ocorrer durante a habilitação da criança. A escolha da potência das próteses auditivas depende do grau e do tipo da perda auditiva. Elas possuem componentes que captam as vibrações de onda sonora e as transformam em sinais elétricos. São miniamplificadores, não substituem a função do ouvido.[5]
Se a perda auditiva for severa ou profunda, a criança terá condições, com as próteses, de perceber os componentes acústicos da fala. Se a perda for moderada ou leve, a criança vai ser capaz de ouvir sons como as vogais e consoantes mais graves do tipo: m, d, b, etc. A dificuldade maior será para ouvir os sons fricativos do tipo: f, v, s, z, etc.[6]

Ø  O trabalho auditivo
O trabalho com as habilidades auditivas possibilita à criança fazer o maior uso possível desse resíduo auditivo. Se não for adequado, essa audição utilizável se torna inútil. Ninguém a não ser a família, em casa, pode propiciar a constante prática em ouvir, o constante ambiente sonoro que é essencial.[7]
Mais uma vez podemos observar a importância dos pais e dos familiares que estão ao redor da criança, para propiciar o bom desenvolvimento desta, ou seja, os pais devem sempre em seu dia-a-dia, trabalhar na percepção auditiva da criança de várias maneiras, como por exemplo, a utilização de brinquedos que produzam sons, batidas na porta, campainha, liquidificador, panela de pressão, batedeira de bolo, rádio, televisão, descarga do banheiro, ruídos de objetos que caem, martelo batendo prego na parede, dentro outros inúmeros sons.
Os pais devem sempre levar a criança para realizar passeios, falar sempre próximo ao microfone da prótese ou de frente para ela para que o som seja favorecido, também se deve usar bastante expressão facial, chamando a criança sempre pelo nome, principalmente sendo estimulada com a voz do pai por ser um som mais grave.
 Vamos verificar abaixo alguns métodos para avaliação audiológica:

Ø  Audiometria de tronco Encefálico ( BERA ou ABR)
Método eletrofisiológico, objetivo, não invasivo que vem assumindo um papel importante na audiologia clinica, na medida em que os potenciais sensoriais evocados estão cada vez mais sendo empregados no diagnóstico diferencial, na estimativa da sensibilidade auditiva, na triagem auditiva em neonatos e no monitoramento intra-operatório.
Consiste no registro da atividade bioelétrica desencadeada por um estímulo sonoro ao longo da via auditiva até o tronco encefálico, para isso, é utilizado um aparelho eletrônico composto por um computador mediador, gerador de sinal acústico, amplificador e registrador, esse estimulo é apresentado por meios de fones. Utiliza-se eletrodos de superfície conectados no couro cabeludo e mastóide ou lóbulo da orelha, permitindo assim, a captação da atividade proveniente das estruturas que compõem a via auditiva.
As principais aplicações da audiometria de tronco encefálico incluem a testagem da função auditiva em neonatos e em crianças difíceis de serem avaliadas por procedimentos audiológicos de rotina; mensuração objetiva da audição em adultos para fins diagnósticos e legais; avaliação da maturação do sistema auditivo central em crianças; detenção de tumores do nervo acústico; diagnóstico eletrofisiológico topográfico de patologias que afetem a fossa posterior, além da avaliação do grau de coma e morte encefálica[8].

Ø  Emissões Otoacústicas
O primeiro pesquisador que observou as emissões otoacústicas foi Kemp (1978). Ele verificou uma liberação de energia sonora na cóclea, que se propaga para a orelha média, até alcançar o meato acústico externo.esse teste tem o objetivo detectar a ocorrência da perda auditiva, visto que as emissões otoacústicas estão presentes em todas as orelhas funcionalmente normais e deixam de ser observadas quanto os limiares auditivos se encontram acima de 20 a 30 dB NA[9].
Existem dois tipos de emissões otoacústicas: as emissões espontâneas e as evocadas. As primeiras são estímulos tonais que naturalmente são emitidos pela cóclea na ausência de estimulação acústica. São detectadas em uma ou mais freqüências discretas em aproximadamente 70% das orelhas normais, não se tornou um teste clínico útil. O segundo tipo, clinicamente está agrupado em duas formas, com base no tipo de estímulo que é utilizado para medi-las: as emissões transientes (EOAT) e as emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD). As transientes são aquelas eliciadas por estímulos breves como cliques. Estão presentes em todas as orelhas de indivíduos com audição normal. De modo geral, em adultos, os níveis de EOATS são maiores, ao redor de 1 a 2 KHz, e diminuem tanto nas freqüências altas como nas baixas. As emissões otoacústicas por produto de distorção (EOAPD) são evocadas por dois tons puros de longa duração apresentados simultaneamente com freqüências diferentes, porém relacionadas. A maior EOAPD ocorre na freqüência de 2F1-F2, em orelhas normais[10].
Essas emissões são medidas objetivas, podendo ser utilizadas em pacientes difíceis de serem testados, pacientes incapazes de se comunicar, ou que pouco colaboram. O procedimento é rápido e preciso, já que é controlado por um computador, além disso existe um pequeno tempo de preparação do paciente, pois não é um teste invasivo e as emissões estão presentes em todas as orelhas normais.

b.    Aspectos Culturais dos Surdos
Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo a fim de torná-lo acessível e habitável ajustando-os com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo.[11]
[...] As identidades surdas são construídas dentro das representações possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com o menor ou maior receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa receptividade cultural, também surge aquela luta política ou consciência oposicional pela qual o indivíduo representa a si mesmo, se defende da homogeneização, dos aspectos que tornam corpo menos habitável, da sensação de invalidez, de inclusão entre os deficientes, de menosvalia social. (PERLIN, 2004. P. 77-78)[12]
A cultura surda exprime valores, crenças que, muitas vezes, se originaram e foram transmitidas pelos sujeitos surdos de geração passada ou de seus líderes surdos bem sucedidos, através das associações de surdos. Infelizmente, elas não são procuradas pela família, que procuram a escola primeiro, porque elas oferecem aos surdos o modelo ouvinte próximo, isto é, “normais”, perante a sociedade ouvinista.[13]
[...] Os pais, entretanto, estão numa fase de crise e é pouco provável que sejam críticos relativamente àquele ponto de vista. Se o profissional descrevesse a comunidade dos surdos, tal descrição seria em termos tão concisos que na realidade os pais não veriam uma alternativa para o estatuto e destino da sua criança. O especialista profissional e os pais, partilham, geralmente, a mesma cultura dos ouvintes[...]. (LANE, 1992, p.38).[14]
Ao afirmarmos que os surdos brasileiros são membros de uma cultura surda não significa que todas as pessoas surdas no mundo compartilhem a mesma cultura simplesmente porque elas não ouvem. Os surdos brasileiros são membros da cultura surda brasileira da mesma forma que os surdos americanos são membros da cultura surda norte-americana. Esses grupos usam línguas de sinais diferentes, compartilham experiências diferentes e possuem diferentes experiências de vida. (KARNOPP, 2006, P. 99).[15]
Ø  Língua de Sinais
Ø  Expressão facial
Ø  Expressão corporal
Ø  Toque
Ø  Sensibilidade Visual
Ø  Olfato mais desenvolvido
Ø  Voz ou Problemas de entonação de voz


c.      Comunicação entre ouvintes e pessoas com surdez
Não é correto dizer que alguém é surdo-mudo. Muitas pessoas surdas não falam porque não aprenderam a falar. Muitas fazem a leitura labial, e podem fazer muitos sons com a garganta, ao rir, e mesmo ao gestualizar. Além disso, sua comunicação envolve todo o seu espaço, através da expressão facial-corporal, ou seja o uso da face, mãos, e braços, visto que, a forma de expressão visual-espacial é sobretudo importante em sua língua natural.
Falar de maneira clara, pronunciando bem as palavras, sem exageros, usando a velocidade normal, a não ser que ela peça para falar mais devagar.
Usar um tom normal de voz, a não ser que peçam para falar mais alto. Gritar nunca adianta.
Falar diretamente com a pessoa, não de lado ou atrás dela.
Fazer com que a boca esteja bem visível. Gesticular ou segurar algo em frente à boca torna impossível a leitura labial. Usar bigode também atrapalha.
Quando falar com uma pessoa surda, tentar ficar num lugar iluminado. Evitar ficar contra a luz (de uma janela, por exemplo), pois isso dificulta a visão do rosto.
Se souber alguma língua de sinais, tentar usá-la. Se a pessoa surda tiver dificuldade em entender, avisará. De modo geral, as tentativas são apreciadas e estimuladas.
Ser expressivo ao falar. Como as pessoas surdas não podem ouvir mudanças sutis de tom de voz, que indicam sentimentos de alegria, tristeza, sarcasmo ou seriedade, as expressões faciais, os gestos ou sinais e o movimento do corpo são excelentes indicações do que se quer dizer.
A conversar, manter sempre contato visual, se desviar o olhar, a pessoa surda pode achar que a conversa terminou.
Nem sempre a pessoa surda tem uma boa dicção. Se houver dificuldade em compreender o que ela diz, pedir para que repita. Geralmente, os surdos não se incomodam de repetir quantas vezes for preciso para que sejam entendidas.
Se for necessário, comunicar-se através de bilhetes. O importante é se comunicar. O método não é tão importante.
Quando o surdo estiver acompanhado de um intérprete, dirigir-se a ele, não ao intérprete.
Alguns preferem a comunicação escrita, alguns usam linguagem em código e outros preferem códigos próprios. Estes métodos podem ser lentos, requerem paciência e concentração.
Em suma, os surdos são pessoas que têm os mesmos direitos, os mesmos sentimentos, os mesmos receios, os mesmos sonhos, assim como todos. Se ocorrer alguma situação embaraçosa, uma boa dose de delicadeza, sinceridade e bom humor nunca falham.

ALFABETO MANUAL

Fonte: Dicionário de LIBRAS (http://www.dicionariolibras.com.br/)


Bibliografia

Disponível em: < www.dicionariolibras.com.br> Acesso em 10/10/2007
Disponível em: <www.vibraudicao.hpr.ig.com.br/oralismo> Acesso em 10/10/2007
KARNOPP, Lodenir. Literatura surda.In: Literatura, Letramento e Práticas Educacionais – Grupo de Estudos Surdos e Educação. ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.2, p. 98-109, jun. 2006 – ISSN: 1676-2592.
LANE, Harlan. A máscara da benevolência: a comunidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.

PERLIN, Gladis. O lugar da cultura surda. In: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini (Org), A Invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação, Santa Cruz do Sul, Ed. EDUNISC, 2004.

SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e LinguagemDesafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003.
STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis, Ed. Da UFSC, 2008, Pag. 26.


[1] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pag. 17.

[2] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pags. 42 e 43.
[3] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pag. 43.
[4] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pags. 43 e 44.
[5] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pag. 44.
[6] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pag. 44.
[7] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pag. 45.
[8] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pag. 26.
[9] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pag. 26.
[10] SILVA, Ivani Rodrigues, e outros. Cidadania, Surdez e Linguagem – Desafios e Realidades. São Paulo, Ed. Plexus, 2003, pags. 26 e 27.
[11] STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis, Ed. Da UFSC, 2008, Pag. 24.
[12] PERLIN, Gladis. O lugar da cultura surda. In: THOMA, Adriana da Silva; LOPES, Maura Corcini (Org), A Invenção da surdez: cultura, alteridade, identidade e diferença no campo da educação, Santa Cruz do Sul, Ed. EDUNISC, 2004.
[13] STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis, Ed. Da UFSC, 2008, Pag. 26.
[14] LANE, Harlan. A máscara da benevolência: a comunidade surda amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.
[15] KARNOPP, Lodenir. Literatura surda.In: Literatura, Letramento e Práticas Educacionais – Grupo de Estudos Surdos e Educação. ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.7, n.2, p. 98-109, jun. 2006 – ISSN: 1676-2592

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